Posto o conteúdo de uma entrevista minha publicada na revista do Grupo Base de escolas particulares de ensino médio de Belo Horizonte, Minas Gerais, em dezembro de 2011.
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- Como fica a questão da alfabetização nesse mundo cada
vez mais digital? O que muda e o que permanece?
Pela
definição conceitual, a alfabetização consiste no aprendizado do
alfabeto e sua utilização como código de comunicação e um processo no qual o
indivíduo constrói a gramática e suas variações. Mas temos também que a
alfabetização envolve o desenvolvimento de novas formas de compreensão, que promove
a socialização do indivíduo já que possibilita o estabelecimento de novos tipos
de trocas simbólicas com outros indivíduos, acesso a bens culturais e a
facilidades oferecidas pelas instituições sociais. E é fator propulsor do
exercício consciente da cidadania e do desenvolvimento da sociedade como um
todo. Nestes aspectos, parece que estou descrevendo a rede, as ferramentas
digitais de informação e comunicação e suas aplicações.
A
mudança principal vem da possibilidade de acesso a conteúdos integrados e
disponibilizados sob outras formas midiáticas. Não em uma ordem que interessa
ao progresso natural. Mas, tudo que se precisa para estruturar e dar suporte a
este processo está lá disponível. Lembrando o que disse Paulo Freire (1);
“não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição
que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem
lucra com esse trabalho”, entendemos que temos atualmente disponibilidade e acesso
ao material que ajuda a entender este ciclo complexo. Tudo a distancia de poucos
cliques. Precisamos nos organizar para utilizar todo este conteúdo.
(1) in Educação na
cidade, 1991
- Muitas vezes as crianças aprendem a dominar as novas
tecnologias antes mesmo de dominar as competências de leitura e escrita. De que
forma o senhor vê isso?
A
alfabetização não se resume apenas na aquisição de habilidades mecânicas na codificação
e decodificação do ato de ler, mas também na capacidade de interpretar,
compreender, criticar, resignificar e produzir conhecimento. As tecnologias
foram e estão sendo desenvolvidas para cada vez mais o homem poder participar
da construção de um conteúdo informacional e de conhecimento que represente o
planeta. E as crianças utilizam prontamente esta nova forma de aprendizado
deste mundo
- Há risco de que as crianças desenvolvam menos
competência para a leitura e escrita em função desse mundo digital? Como evitar
que isso aconteça?
Obviamente
que não. Seria loucura pensar diferente. Precisamos nos ater nas mudanças
conceituais da sociedade como um todo. As novas tecnologias nos são muito bem
vindas, mas os desdobramentos de seu uso é que nem sempre são estudados com a
profundidade que deveria. Existe uma necessidade urgente de mudança também nos
nossos modos de alfabetizar. Entenda assim: uma ilha com seu ecossistema
perfeitamente equilibrado por muitos e muitos anos. Colocamos um novo morador
com enorme potencial de interação (alimentação, adaptação, reprodução). Não
será mais aquela “ilha com um novo morador” e sim uma “nova ilha”. Uma nova ilha
com novas interações, novos relacionamentos e consequentemente novos resultados
(inclusive resultados inesperados e que comprometem o equilíbrio anterior) É
assim que acontece com as novas tecnologias. Elas mudam tudo. Nossa forma de
ver, viver, relacionar. Postman disse que novas tecnologias simplesmente
cumprem seu objetivo inicial, mesmo que se seja necessário suplantar a
tecnologia anterior ou vigente. Não temos um mundo com novas tecnologias. Temos
um novo mundo.
Precisamos
continuar o que fazemos bem. Nos adaptar. Propor novas formas de alfabetização
usando nova tecnologia apropriada e adaptada às nossas necessidades.
- A internet tem potencialidades para o ensino da
alfabetização? Como elas poderiam ser utilizadas? É possível integrar o processo
de alfabetização às novas tecnologias?
Infinitamente.
E a integração não é necessária. As tecnologias já nascem aptas. Estão lá com
uma infinidade de ferramentas e possibilidades esperando uma mudança no meu
comportamento. Esperando que se ordene novas formas de uso que atendam a uma
nova forma de alfabetizar. Outra definição primal de alfabetização diz que
todas as capacidades adquiridas (codificar e decodificar, interpretar,
compreender, criticar, resignificar e produzir conhecimento) só serão concretizadas
se os alunos tiverem acesso a todos os tipos de portadores de textos ou
conteúdo e também encontrar usos sociais para a leitura e escrita desenvolvidas.
Oferecer todas as formas midiáticas de acesso e comunicação e prover
possibilidades de uso social para isto é a essência do que vemos sendo
oferecido pelas novas tecnologias.
- Os pais devem restringir o acesso de crianças em fase
de alfabetização à internet? E em relação especificamente a ambientes como os
chats, onde a forma de comunicação é o "internetês", com suas
abreviações e etc
Penso
que não. A orientação e o que eu chamo de “controle-supervisão-não invasivo” é
que são fundamentais. Saber indicar sites atrativos de conteúdo adequado a cada
fase de desenvolvimento do filho é fundamental. Saber por onde navega o filho
também é fundamental. Mais difícil, mas fundamental. Ambas exigem um
envolvimento maior dos pais na vida de novas tecnologias (eu sempre digo que a
mudança é nossa). Um exemplo é que na fase de alfabetização, muito difícil será
uma criança conseguir “sobreviver” a uma sessão de chat.
Quando
esta hora chegar (uso do chat pela criança – já alfabetizada), já será tempo de
nossos filhos conhecerem estas tais ferramentas, apresentadas por nós ou pela
escola, de forma a conseguirem discernir e optar por continuar uma sessão de
chat em função do que digitam para ela lá do outro lado.
O
internetês é um outro assunto polêmico. Ele é herança de uma situação técnica
antiga e há muito ultrapassada, com relação à capacidade de transmissão de
texto. Hoje assistimos vídeos em High Definition
em tempo real e o internetês continua nos assombrando. Não tenho uma fórmula
para acabar com ele, até porque seu uso é de escolha pessoal. Agora ideias para
combatê-lo tenho muitas. Muita leitura (mesmo quadrinhos), incentivar a criança
a trabalhar em seu blog, usar ferramentas de comunicação que aceitem mais que
140 caracteres (não que eu seja contra tuitar, mas estamos falando de
alfabetização) e muito exemplo pessoal (como pai) de como a leitura fez e faz
parte de minha vida. Uma boa biblioteca na sala onde deve ficar o computador do
meu filho é uma eficaz arma contra o internetês. Eu particularmente procuro
escrever e responder meus e-mails com todas as palavras corretas, inteiras e
conferidas no dicionário sempre que necessário. E meu filho sabe bem que faço
isto!
- Como pai, quais os cuidados que o senhor adota?
Alguma
restrição (bloqueio de conteúdo adulto), muito “controle-supervisão-não invasivo”
(checar histórico, consultar palavras chaves, conversa direcionada, e-mails
direcionados, etc) e algum “controle-supervisão-invasivo”. Este ponto exige
mais cuidado e não me interessa aí gerar conflitos éticos quanto a invasão de
privacidade, mas simplesmente testar se falhas de segurança existem. Se eu
consigo entrar, hackers mais experientes podem invadir. Tenho avatares nas
redes sociais infantis que meu filho usa e lá sou amigo dele. Passo um tempo
com ele lá, jogo, desafio, perco e ganho (nem sempre). Apropriei-me do
ciberespaço infantil. Mas o mais importante é tentar sempre andar um pouco na
frente. Pesquisar sites e blogs interessantes, utilizar primeiro as novas
ferramentas disponibilizadas, entender o preço da gratuidade na rede e conversar,
conversar muito com seus filhos. Penso, levianamente, sobre como foi fácil para
meu pai me criar, no tocante a acesso a informação, comunicação social e
geração de conteúdo e conhecimento. As informações nos eram atualizadas
anualmente, na época do Natal, quando recebíamos o Livro do Ano da Enciclopédia
Barsa.