terça-feira, 15 de abril de 2014

Escolas, pais, filhos e internet

Posto o conteúdo de uma entrevista minha publicada na revista do Grupo Base de escolas particulares de ensino médio de Belo Horizonte, Minas Gerais, em dezembro de 2011.
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- Como fica a questão da alfabetização nesse mundo cada vez mais digital? O que muda e o que permanece?
Pela definição conceitual, a alfabetização consiste no aprendizado do alfabeto e sua utilização como código de comunicação e um processo no qual o indivíduo constrói a gramática e suas variações. Mas temos também que a alfabetização envolve o desenvolvimento de novas formas de compreensão, que promove a socialização do indivíduo já que possibilita o estabelecimento de novos tipos de trocas simbólicas com outros indivíduos, acesso a bens culturais e a facilidades oferecidas pelas instituições sociais. E é fator propulsor do exercício consciente da cidadania e do desenvolvimento da sociedade como um todo. Nestes aspectos, parece que estou descrevendo a rede, as ferramentas digitais de informação e comunicação e suas aplicações.
A mudança principal vem da possibilidade de acesso a conteúdos integrados e disponibilizados sob outras formas midiáticas. Não em uma ordem que interessa ao progresso natural. Mas, tudo que se precisa para estruturar e dar suporte a este processo está lá disponível. Lembrando o que disse Paulo Freire (1); “não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”, entendemos que temos atualmente disponibilidade e acesso ao material que ajuda a entender este ciclo complexo. Tudo a distancia de poucos cliques. Precisamos nos organizar para utilizar todo este conteúdo.
(1) in Educação na cidade, 1991

- Muitas vezes as crianças aprendem a dominar as novas tecnologias antes mesmo de dominar as competências de leitura e escrita. De que forma o senhor vê isso?
A alfabetização não se resume apenas na aquisição de habilidades mecânicas na codificação e decodificação do ato de ler, mas também na capacidade de interpretar, compreender, criticar, resignificar e produzir conhecimento. As tecnologias foram e estão sendo desenvolvidas para cada vez mais o homem poder participar da construção de um conteúdo informacional e de conhecimento que represente o planeta. E as crianças utilizam prontamente esta nova forma de aprendizado deste mundo

- Há risco de que as crianças desenvolvam menos competência para a leitura e escrita em função desse mundo digital? Como evitar que isso aconteça?
Obviamente que não. Seria loucura pensar diferente. Precisamos nos ater nas mudanças conceituais da sociedade como um todo. As novas tecnologias nos são muito bem vindas, mas os desdobramentos de seu uso é que nem sempre são estudados com a profundidade que deveria. Existe uma necessidade urgente de mudança também nos nossos modos de alfabetizar. Entenda assim: uma ilha com seu ecossistema perfeitamente equilibrado por muitos e muitos anos. Colocamos um novo morador com enorme potencial de interação (alimentação, adaptação, reprodução). Não será mais aquela “ilha com um novo morador” e sim uma “nova ilha”. Uma nova ilha com novas interações, novos relacionamentos e consequentemente novos resultados (inclusive resultados inesperados e que comprometem o equilíbrio anterior) É assim que acontece com as novas tecnologias. Elas mudam tudo. Nossa forma de ver, viver, relacionar. Postman disse que novas tecnologias simplesmente cumprem seu objetivo inicial, mesmo que se seja necessário suplantar a tecnologia anterior ou vigente. Não temos um mundo com novas tecnologias. Temos um novo mundo.
Precisamos continuar o que fazemos bem. Nos adaptar. Propor novas formas de alfabetização usando nova tecnologia apropriada e adaptada às nossas necessidades.

- A internet tem potencialidades para o ensino da alfabetização? Como elas poderiam ser utilizadas? É possível integrar o processo de alfabetização às novas tecnologias?
Infinitamente. E a integração não é necessária. As tecnologias já nascem aptas. Estão lá com uma infinidade de ferramentas e possibilidades esperando uma mudança no meu comportamento. Esperando que se ordene novas formas de uso que atendam a uma nova forma de alfabetizar. Outra definição primal de alfabetização diz que todas as capacidades adquiridas (codificar e decodificar, interpretar, compreender, criticar, resignificar e produzir conhecimento) só serão concretizadas se os alunos tiverem acesso a todos os tipos de portadores de textos ou conteúdo e também encontrar usos sociais para a leitura e escrita desenvolvidas. Oferecer todas as formas midiáticas de acesso e comunicação e prover possibilidades de uso social para isto é a essência do que vemos sendo oferecido pelas novas tecnologias.

- Os pais devem restringir o acesso de crianças em fase de alfabetização à internet? E em relação especificamente a ambientes como os chats, onde a forma de comunicação é o "internetês", com suas abreviações e etc
Penso que não. A orientação e o que eu chamo de “controle-supervisão-não invasivo” é que são fundamentais. Saber indicar sites atrativos de conteúdo adequado a cada fase de desenvolvimento do filho é fundamental. Saber por onde navega o filho também é fundamental. Mais difícil, mas fundamental. Ambas exigem um envolvimento maior dos pais na vida de novas tecnologias (eu sempre digo que a mudança é nossa). Um exemplo é que na fase de alfabetização, muito difícil será uma criança conseguir “sobreviver” a uma sessão de chat.
Quando esta hora chegar (uso do chat pela criança – já alfabetizada), já será tempo de nossos filhos conhecerem estas tais ferramentas, apresentadas por nós ou pela escola, de forma a conseguirem discernir e optar por continuar uma sessão de chat em função do que digitam para ela lá do outro lado.
O internetês é um outro assunto polêmico. Ele é herança de uma situação técnica antiga e há muito ultrapassada, com relação à capacidade de transmissão de texto. Hoje assistimos vídeos em High Definition em tempo real e o internetês continua nos assombrando. Não tenho uma fórmula para acabar com ele, até porque seu uso é de escolha pessoal. Agora ideias para combatê-lo tenho muitas. Muita leitura (mesmo quadrinhos), incentivar a criança a trabalhar em seu blog, usar ferramentas de comunicação que aceitem mais que 140 caracteres (não que eu seja contra tuitar, mas estamos falando de alfabetização) e muito exemplo pessoal (como pai) de como a leitura fez e faz parte de minha vida. Uma boa biblioteca na sala onde deve ficar o computador do meu filho é uma eficaz arma contra o internetês. Eu particularmente procuro escrever e responder meus e-mails com todas as palavras corretas, inteiras e conferidas no dicionário sempre que necessário. E meu filho sabe bem que faço isto!

- Como pai, quais os cuidados que o senhor adota?
Alguma restrição (bloqueio de conteúdo adulto), muito “controle-supervisão-não invasivo” (checar histórico, consultar palavras chaves, conversa direcionada, e-mails direcionados, etc) e algum “controle-supervisão-invasivo”. Este ponto exige mais cuidado e não me interessa aí gerar conflitos éticos quanto a invasão de privacidade, mas simplesmente testar se falhas de segurança existem. Se eu consigo entrar, hackers mais experientes podem invadir. Tenho avatares nas redes sociais infantis que meu filho usa e lá sou amigo dele. Passo um tempo com ele lá, jogo, desafio, perco e ganho (nem sempre). Apropriei-me do ciberespaço infantil. Mas o mais importante é tentar sempre andar um pouco na frente. Pesquisar sites e blogs interessantes, utilizar primeiro as novas ferramentas disponibilizadas, entender o preço da gratuidade na rede e conversar, conversar muito com seus filhos. Penso, levianamente, sobre como foi fácil para meu pai me criar, no tocante a acesso a informação, comunicação social e geração de conteúdo e conhecimento. As informações nos eram atualizadas anualmente, na época do Natal, quando recebíamos o Livro do Ano da Enciclopédia Barsa.


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